quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Uma história dos fantasmas



Para os nossos antepassados a linha divisória entre a vida e a morte era bastante esfumaçada. Um morto continuava a viver entre os vivos, visitando os locais em que viveu refazendo o percurso que traçou ao longo da vida. Essa é a tese do historiador Jean Delumeau em História do Medo no Ocidente (2009). Ele explica que os mortos exerciam poder sobre os vivos ('o morto agarra o vivo'), decidiam o seu futuro quando da administração da herança no direito germânico antigo, por exemplo, mas não só isso. Para se ter uma idéia dessa influência, o historiador cita o Traicté de l'apparition des esprits de Nöel Taillepied que ensina categoricamente: "Se um bandido se aproxima do corpo que ele tiver matado, o morto começará a espumar, suar e dar algum outro sinal".

Delumeau explica ainda que existia outrora duas maneiras de acreditar nas aparições dos mortos. Uma concepção horizontal, naturalista, antiga e popular, defendia implicitamente 'a sobrevivência do duplo' (a expressão é de E. Morin): o defunto - corpo e alma - continuava a viver certo tempo e a voltar aos lugares de sua existência terrestre. A outra concepção, vertical e transcendental, foi a dos teólogos, oficiais e oficiosos, que tentaram explicar os fantasmas (expressão que não é de época) pelo jogo de forças espirituais. Os teólogos por sua vez se dividiam em protestantes e católicos.


Os fantasmas e o Protestantismo

O Protestantismo desde o início negou qualquer existência de fantasmas. No raciocínio dos reformistas só há dois lugares para onde as almas se retiram após a morte dos corpos - o paraíso e o inferno. "As que estão no paraíso não têm necessidade de ser ajudadas pelos vivos, e as que estão no inferno jamais sairão de lá e não podem receber nenhum socorro. Assim, por que as almas sairiam de seu repouso, otras de suas penas?" (DELUMEAU, 2000, p. 125)

Os fantasmas e o Catolicismo

O lado católico nega a afirmativa protestante e argumenta, com base em exemplos tirados das Escrituras,  que "Deus pode permitir que as almas dos mortos se mostrem aos vivos sob a aparência de seu corpo de outrora. Pode também autorizar os anjos, 'que vão e vem do céu à terra', a revestir uma forma humana. Quanto aos demônios, podem por sua vez aparecer aos homens seja adensando o ar como os anjos, seja emprestando 'os cadáveres e carniças dos mortos'. (DELUMEAU, 2000, p.125).


Como matar um fantasma?


Os fantasmas que vagavam pelas noites sombrias na Idade Média podiam ser vencidos? Qual o ponto fraco de uma criatura em forma gasosa? Os teólogos, demonólogos e alquimistas de outrora teorizam que o fantasma estava preso, de alguma forma, ao seu corpo. Por isso, dentre os metódos utilizados para acabar com as aparições no século XVII, quatro se destacam:

1 - Na Morávia, livram-se dos espectros desenterrando-os e queimando-os;
2 - Na Boêmia, por volta da mesma época, livram-se dos fantasmas exumando ps defuntos suspeitos e passando-lhes através do corpo uma estaca que os prega ao solo;
3 - Na Silésia, o único remédio contra essas aparições é cortar a cabeça e queimar o corpo daqueles que voltam.
4 - Na Sérvia, os fantasmas são vampiros que sugam no pescoço o sangue de suas vítimas, que morrem de langor. Quando se desenterram os mortos suspeitos de ser esses espectros maléficos, eles são encontrados como vivos, com sangue 'vermelho'. Então, sua cabeça é cortada e recolocam-se no fosso as duas partes do corpo, cobrindo-as de cal viva.

Canditados a fantasma

Delemeau ainda explica que os possíveis fantasmas seriam todos aqueles que não se haviam beneficiados de um falecimento natural e, portanto,  tinham efetuado em condições anormais a passagem da vida à morte - logo, defuntos mal integrados a seu novo universo e, por assim dizer, 'mal em sua pela'. A esse grupo acrescentava-se uma outra categoria de candidatos-fantasmas: aqueles que haviam morrido no momento ou na proximidade de um rito de passagem que, por essa razão, não se realizara (fetos mortos, casados falecidos no dia das bodas, etc.).


Entrelinhas: Por muitos anos posteriores o cristianismo tratou de cristianizar a noção de fantasma que permeia até os nossos dias e que teve importância capital para a formulação da teoria espírita, muitos dos seus pressupostos ligados à essa tradição de pensamento.

Para saber mais...

DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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