sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O Triunfo da Morte: imagens da peste negra na Europa




Como já falei em um post anterior, as grandes doenças que dizimam milhares de pessoas podem ser consideradas monstruosas (clique aqui e leia o post sobre a classificação nazariana dos monstros). Dentre as grandes pandemias da história, a peste negra foi, sem dúvida, a que mais marcas deixou nas sociedades medievais, renascentistas e modernas. As devastações da 'morte negra' estenderam-se pelos anos 1348-51, eliminando, assegura Froissart, a 'terça parte do mundo', com recordes sombrios de Mântua (Itália) onde as mortes atigiram 77% da população.

O historiador Jean Delumeau (2009) atesta o horror provocado pela doença na mentalidade do povo europeu: "a pesque fora virulenta na Europa e em torno da bacia mediterrânea entre os séculos VI e VIII, com uma espécie de periodicidade dos surtos epidêmicos cujos picos se davam a cada nove a doze anos. [...] Mal enraizado, implacavelmente recorrente, a peste, em razão de seus reaparecimentos repetidos, não podia deixar de criar nas populações 'um estado de nervosismo e de medo'" (DELUMEAU, 2009, p. 155).
O mesmo horror ecoa nas palavras de Boccaccio na introdução de O decamerão a respeito de Florença: "Quantos grandes palácios, quantos belas casas, quantas moradas, outrora repletos de criados, de senhores e de damas, viram afinal desaparecer até seu mais humilde servidor".

Causas da peste


Até o final do século XIX, ignoraram-se as causas da peste que a ciência de outrora atribuía à poluição do ar, ela própria ocasionada seja por funestas conjunções astrais, seja emanações pútridas vindas do solo ou do subsolo. Daí as precauções, aos nossos olhos inúteis, quando se aspergia com vinagre cartas e moedas, quando se acendiam fogueiras purificadoras nas encruzilhadas de uma cidade contaminada, quando se desinfetavam indivíduos, roupas velhas e casas por meio de perfumes violentos e de enxofre, quando se saía para a rua em período de contágio com uma máscara em forma de cabeça de pássaro cujo bico era preenchido com substância odoríferas, informa o historiador.

Hoje sabe-se que a doença era transmitida não pelos ratos (o primeiro sinal da peste era a mortalidade das murídeos), mas a pulga dos ratos pretos (Rattus rattus), infectada com a bactéria Yersinia pestis. E a transmissão se dava de um hospedeiro agonizante para um hospedeiro são. Das medidas tomadas pelo povo de outrora, era pertinente apenas queimar os tecidos, especialmente os de lã, nas casas contaminadas.

 Sintomas da doença

Dente os sintomas da doença, notadamente em sua forma bubônica, a descrição de 'carbúnculos' se destacava. No quando clínico, falava-se ainda da língua intumescida, à sede ardente, à febre intensa, aos calafrios, à irregularidade do pulso, ao delírio muitas vezes violento, às perturbações do sistema nervoso, às cefaleias (dores de cabeça), ao olhar fixo.

Vejamos o depoimento do religioso português F. de Santa-Maria sobre os horrores da 'morte negra': "É com grande razão que é chamada por antonomásia de o Mal. Pois não há sobre a terra nenhum mal que seja comparável e semelhante à peste. [...] A justiça não é mais obedecida; os ofícios param; as famílias perdem sua coerência e as ruas, sua animação. Tudo fica reduzido a uma extrema confusão. Tudo é ruína. Pois tudo é atingido e revirado pelo peso e pela grandeza de uma calamidade tão horrível. As pessoas, sem distinção de estado ou de fortuna, afogam-se numa tristeza mortal. [...] As crianças vertem lágrimas inocentes, pois sentem a desgraça sem compreendê-la" (In: DELUMEAU, 2009,177).

Entrelinhas: Na próxima semana continuamos o nosso papo sobre a Peste Negra. Falaremos sobre as representações da doença. Até lá. Abraços monstruosos.


Para saber mais...

DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Imagem 01: The Triumph of Death (1562) de Pieter Brueghel The Old.
Imagem 02: Médico da Idade Média com máscara 'protetora' anti-peste.

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